Como modular o estresse abiótico utilizando a microbiota do solo?
Com as mudanças climáticas se intensificando, o estresse abiótico vem se tornando um dos grandes vilões da produtividade agrícola. Mas o que acontece quando colocamos uma lupa sobre seus efeitos na microbiota do solo?
Fatores como temperatura, salinidade, seca e presença de contaminantes afetam diretamente a comunidade microbiana — enquanto as alterações na exsudação radicular mediadas pela planta apresentam influências indiretas. Sabendo que o equilíbrio da relação entre planta e microrganismos associados é crucial para manter o hospedeiro saudável e, consequentemente, aumentar a produtividade, pesquisas recentes tem focado em formas de mitigar o estresse abiótico por meio do condicionamento da microbiota do solo.
Ao longo da história evolutiva desses pequenos seres, desenvolveram-se diversos mecanismos para contornar os obstáculos advindos de estresses abióticos. Muitos desses mecanismos acabam favorecendo a planta hospedeira a tolerar o estresse, tanto por vias diretas quanto indiretas – o que justifica o crescente interesse em explorar a microbiota como aliada na construção de sistemas agrícolas mais resilientes.
E como a saúde vegetal depende dessa complexa rede de interações, entender como modular a microbiota frente ao estresse abiótico virou prioridade científica.
Segundo Valliere et al. (2020), existem duas formas principais de condicionar a microbiota do solo para torná-la mais tolerante:
1️. Aproveitar comunidades indígenas já adaptadas a estresses ambientais, como aquelas presentes em solos contaminados ou regiões áridas.
2️. Condicionar artificialmente as comunidades microbianas, aplicando estressores controlados no campo, laboratório ou estufa.
Para que esse condicionamento seja eficaz, alguns fatores-chave entram em jogo:
- Seleção de microrganismos naturalmente adaptados à pressão de estresse;
- Exposição prévia da microbiota a curtos períodos de estresse, aumentando sua tolerância futura;
- Mudanças na composição microbiana que favorecem populações mais resilientes.
Mas o que isso significa, na prática?
Em muitos casos, comunidades microbianas previamente expostas a estresses abióticos passam a conferir maior tolerância às plantas. E essa proteção pode acontecer por diferentes mecanismos:
- Rizobactérias promotoras de crescimento: ajustam a expressão gênica da planta, alteram fitormônios, produzem antioxidantes, osmólitos, proteínas de choque térmico e compostos orgânicos voláteis;
- Fungos micorrízicos: expandem a rede de absorção de nutrientes e água via hifas;
- Fixadores de nitrogênio: além da fixação em si, atuam na estruturação do solo e na modulação hormonal;
- Solubilizadores de fósforo e produtores de sideróforos: melhoram a nutrição vegetal;
- Microrganismos com capacidade de detoxificação: degradam poluentes e reduzem a toxicidade de metais pesados por meio de agentes quelantes.
Esse arsenal biossintético é vasto — e pode ser recrutado sob demanda, dependendo do tipo de estresse que a planta enfrenta.
O desafio? Traduzir milhões de anos de evolução microbiana em estratégias conscientes e aplicáveis no campo.
Simples e fascinante…
Mas nem um pouco trivial.
Ref.: Valliere et al. (2020) https://doi.org/10.1016/j.soilbio.2020.108081
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